Revista Metropole
Malhação adaptada
Academias de ginástica oferecem atividades físicas a portadores de deficiência e tornam-se espaços onde a saúde e a inclusão social falam mais alto do que o culto ao corpo

Rodrigo Maia
rodrigom@rac.com.br
Especial para a Metrópole

Depois de percorrer vários estabelecimentos e ouvir seguidos “não”, Evandro Luis Alves não desanimou. Firme no objetivo de proporcionar exercícios adaptados a portadores de deficiências, o professor de Educação Física conseguiu desenvolver, em parceria com uma academia da cidade, um programa de atividades que tem mudado a rotina de alunos como Eduardo Mucci. Tetraplégico, Mucci recupera o tônus muscular e a oportunidade de conviver com os freqüentadores de uma academia convencional.

A idéia de encontrar um espaço em que os deficientes pudessem fazer ginástica foi concretizada na MD Fitness. “Alves nos apresentou a proposta e, a partir daí, oferecemos condições para que a academia fosse utilizada também por pessoas com deficiência. Criamos um programa de atividades adaptadas”, conta o proprietário, Maurício Duran.

Depois da matrícula, o aluno passa por avaliação física com um fisioterapeuta, que indica os exercícios que ele deve praticar. “Com a elaboração do programa, atendemos pessoas com deficiência física ou deficiência mental leve. Há aulas de spinning, ioga, musculação, esteira e Pilates entre as atividades”, destaca Alves.

Na academia, os aparelhos são adaptados para que os usuários sintam-se seguros ao realizar os exercícios. “Para um cadeirante, o banco quadrado, e não o triangular, ajuda a manter o equilíbrio”, exemplifica.

Além disso, a academia passou por algumas reformas. Rampas de acesso às áreas de uso foram construídas, banheiros e vestiários adaptados e um elevador para deficientes fica hoje na entrada do shopping onde está instalada. Quando há necessidade, a locomoção dos alunos é favorecida por profissionais que fazem transportes especiais.

Segundo Alves, o foco do programa é a inclusão social por meio de práticas esportivas. O professor de Educação Física lembra que muitos portadores de deficiência acreditam que, por causa das limitações, não podem fazer exercícios em academias. “Cada um tem seu potencial. Isso precisa e deve ser explorado com orientação de um especialista”, avalia.

A implantação do projeto significa a realização de um sonho do proprietário da MD Fitness. “Sempre tive vontade de fazer um trabalho de responsabilidade social”, ressalta Duran. Segundo ele, ainda há muitas dúvidas entre inclusão social e acessibilidade. “Não basta colocar rampa ou elevador para facilitar o acesso. É preciso dar oportunidade para os portadores de deficiência interagirem”, completa.

Recuperando a musculatura

Eduardo Mucci é um dos alunos portadores de deficiência da MD Fitness. Há dez anos, sofreu um acidente automobilístico, teve duas vértebras da coluna cervical fraturadas e ficou tetraplégico. Ao saber da iniciativa da academia, resolveu matricular-se. “Antes, eu não tinha lugar para treinar que atendesse às minhas necessidades. A idéia é bárbara”, diz.

Mucci já sente os benefícios dos exercícios físicos. “Não tenho movimento nas pernas nem nas mãos. Só consigo mexer os braços”, diz. “Com o treinamento, estou fortalecendo a musculatura dos braços e minha respiração está bem melhor”.

A avaliação física de Mucci foi feita pelo professor Luís Henrique Dunder. “A musculação devolveu tônus (contração) muscular para a movimentação dos braços. Ele também está readquirindo a postura ereta”, observa.

Além dos avanços físicos, Mucci aponta outra vantagem em freqüentar a academia. Para ele, a iniciativa melhora sua auto-estima. “A maioria dos cadeirantes não sai de casa, muito menos para fazer exercícios”, afirma. A academia tem também um aluno portador de deficiência visual.

Idéia premiada

Evandro Luis Alves trabalha com portadores de deficiência há mais de dez anos. No início, o professor atendia os clientes em suas residências. Em seguida, ingressou na Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) para trabalhar com os portadores de deficiência, filhos de sócios da entidade. Entre as atividades, Alves organizava festas e programas de recreação.

Com esse programa, ele recebeu o prêmio de melhor projeto social nacional, concedido pela Confederação Brasileira de Clubes. Também conquistou a primeira colocação entre todas unidades da AABB do País.

Vida na água

Maria Cristina de Camargo Andrade teve paralisia cerebral logo após o nascimento. Há quatro anos, faz aulas de hidroterapia na Sport Moving. Na piscina, relaxa com os exercícios coordenados pelo professor Fernando Bunemer. “A água morna diminui o tônus muscular e trabalha a articulação, o que a deixa menos tensa”, explica.

A hidroterapia, segundo Bunemer, é indicada para qualquer tipo de lesão. “É um tratamento sem impacto e que trabalha o equilíbrio”, diz.

Catarina Mazarini, que é professora de Educação Física e mestre em Educação Física Especial, aplica três métodos de exercícios em água, na Academia Catarina: a Terapia Aquática Integrada (TAI), a Aquanástica e Aqua-Deep-Natação.

A TAI consiste na reabilitação na água e é indicada para pacientes com traumas ortopédicos, neurológicos, acidente vascular cerebral (AVC), deficiências auditiva, mental e visual. Um dos alunos teve lesão medular com um ano de idade. Seis meses depois, a mãe conheceu o método e o matriculou na academia. Ela observa o bom desenvolvimento físico, principalmente na musculatura dos membros inferiores da criança, que hoje tem pouco mais de dois anos. A mãe lamenta que os planos de saúde não reconheça o método como terapia.

Renato Aparecido Rodrigues Silveira também pratica a TAI. Após sofrer um AVC, recorreu ao método como forma de tratamento. “A água facilita na reabilitação. Os alongamentos são feitos com maior facilidade dentro da piscina, além de ajudar na reeducação respiratória dele”, afirma o fisioterapeuta José Francisco Gebara.

Exclusividade da academia, a aquanástica é diferente da hidroginástica. “A aquanástica reúne exercícios que só podem ser executados na água”, explica Catarina. O terceiro programa é o Aqua-Deep-Natação, indicado para pacientes com traumas ortopédicos.

‘Ninguém fica de fora’

Em 15 anos de atendimento a portadores de deficiência, o Centro Interdisciplinar de Atenção ao Deficiente (Ciad), da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), já acolheu aproximadamente 500 alunos com problemas sensoriais e físicos. “Aqui todo mundo pratica esportes. Temos as atividades regulares, que são os jogos normais, e as atividades adaptadas, que são os fundamentos. Ninguém fica de fora”, diz Vagner Bérgamo, coordenador do projeto.

O programa é gratuito. Para se inscrever, basta ligar no Ciad e marcar entrevista. O aluno passa por avaliação para saber qual é a modalidade esportiva indicada para ele. As opções são futebol, natação, tênis, atletismo e bocha. Todos são praticados no Campus I da universidade, com exceção da bocha, realizada numa praça próxima à faculdade.

Bruno Santos Carvalho é um dos destaques do Ciad. Portador de deficiência mental, foi campeão estadual de tênis adaptado e vai disputar os Jogos Nacionais Special Olympics Brasil. “O tênis exige percepção, tomada de decisão, concentração e deslocamento. No caso de Bruno, o tênis desenvolve o deslocamento e a capacidade cognitiva”, afirma Bérgamo.

Para quem não consegue jogar futebol, há o trabalho de habilidades individuais como chute a gol, condução e passe. Marco Antonio Fernandes é um dos integrantes do programa. Ele sofreu um acidente de carro e hoje tem dificuldades para falar, respirar e andar. Para melhorar a coordenação motora, ingressou no grupo de futebol do Ciad. Ele não consegue atuar em equipe, por isso pratica a condução de bola. Os monitores do centro são alunos de diferentes áreas da universidade.

Para Bérgamo, ganhar ou perder nas competições é o que menos importa. “A auto-estima de cada um melhora consideravelmente. Os jogadores percebem que saem vitoriosos e não se preocupam com a deficiência”, observa.

Nos próximos Jogos Nacionais Special Olympics Brasil, o Ciad terá quatro representantes. Além de Bruno, no tênis, Angela Gionetti Barthel e Mariana Góes Garcia conseguiram classificação na natação. No atletismo, José Gino da Silva Neto atingiu o índice exigido para o evento.

ALMANAQUE

De maneira muito tímida, o esporte adaptado foi iniciado na primeira década do século 20. Apenas jovens portadores de deficiência auditiva praticavam as atividades esportivas, principalmente de forma coletiva.

A partir de 1920, os deficientes visuais ingressaram no esporte, em especial no atletismo e na natação. Para os portadores de deficiência, o início do esporte ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. Muitos soldados retornavam às suas pátrias com vários tipos de mutilação e deficiências.

No Brasil, o esporte adaptado surgiu em 1958, com a fundação de dois clubes, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro.

As primeiras paraolimpíadas foram realizadas em 1960, em Roma. A partir daí, o evento é organizado na mesma cidade (ou em local próximo) alguns dias após o encerramento dos Jogos Olímpicos convencionais. O Brasil participa dos Jogos de Heidelberg, na Alemanha, desde 1972.

Para cada modalidade existe um tipo de adaptação. No futebol, o tempo e as dimensões do campo são menores. No vôlei, a rede é mais baixa. Na natação e no atletismo, para algumas deficiências, as distâncias são reduzidas. Para não haver descaracterização, as regras originais dos esportes são mantidas.

A prática de esportes contribui de várias formas para a reabilitação dos portadores de deficiência. Oferece a oportunidade de sociabilização com portadores e não-portadores de deficiência. Proporciona aumento da auto-estima e da auto-confiança. Melhora a condição cardiovascular, aumenta a força e a agilidade, o equilíbrio e a coordenação motora.

Fonte: Associação Desportiva para Deficientes.

Serviço

No site Acessa SP (www.libras.sp.gov.br) é possível adquirir gratuitamente um CD que ensina a linguagem de sinais.

Associação Desportiva para Deficientes: www.add.org.br

Nossas fontes

Evandro Luis Alves, f. 9101-6119, projeto_mais@yahoo.com.br

MD Fitness - Av. Washington Luís, 2.480, Piso 1, Sala 1, Parque Prado, f. 3776-2010. www.mdfitness.com.br

Sport Moving - Rua Sampaio Ferraz, 639, Cambuí, f. 3255-3550.

Academia Catarina - Rua Itália, 615, Castelo, f. 3242-1713.

Ciad (19) Campus I - PUC-Campinas - Av. Profa. Ana Maria Silvestre Adade, s/nº, Pq. das Universidades, f. 3756-7216.

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