Memórias de um homem diferente




ENTREVISTA / ALOYSIO CAMPOS DA PAZ » 

  Memórias de um homem diferente O médico que escreveu seu nome na história ao criar a Rede Sarah lança um livro de memórias. Ele conversou com a Revista sobre saúde pública, medicina, política e muito mais

Maria Vitória
Publicação: 25/03/2011 18:53 Atualização: 26/03/2011 14:50
Aloysio para os íntimos, a família. Os pacientes, colegas médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, familiares de doentes e políticos preferem doutor Campos da Paz ou simplesmente Campos da Paz. Independentemente de como o chamam, o certo é que o nome Aloysio Campos da Paz Júnior está escrito na história da medicina. É o nome do criador da Rede Sarah de Hospitais do aparelho Locomotor, o Sarah.
Diariamente, ele fica no Sarah de Brasília, seja na sede no Setor Comercial Sul ou na unidade do Lago Norte, atendendo pacientes e discutindo os casos mais graves com seus assistentes. Aos 76 anos, diante da insistência de amigos e colaboradores, decidiu escrever a própria história. Assim surgiu o livro Percorrendo Memórias, que será lançado quarta-feira, às 18h30, no Salão Negro do Senado Federal.
Ao lançar a obra bibliográfica, o doutor Campos mantém os pés bem firmes no presente, mas com um olhar atento para o futuro. Sempre reflexivo, mantém intacto o espírito crítico, como mostra nesta entrevista à Revista. Antes mesmo do início da conversa, disparou: “O Itamaraty fez o Brasil se comportar como uns macaquitos”, referindo-se à visita do presidente americano Barack Obama. Apenas um comentário passageiro, antes de falar sobre saúde pública, medicina, memórias e muito mais.


 (Iano Andrade/CB/D.A.Press)
No prefácio do livro, o filósofo Leandro Konder o define como “uma pessoa diferente de todas as outras”. Como o senhor entende essa afirmação, feita por uma pessoa que o conhece deste a infância?
Leandro é um dos maiores, senão o maior filósofo brasileiro, com uma obra inquestionável. Acho que ele quis dizer que fujo do convencional. O que se espera de um médico é ele ser bem comportado, dizer coisas que ninguém consegue entender e não ter uma posição política em relação aos problemas do país, especificamente no campo social. Acho que o Leandro (hipertexto com foto 1) quis dizer é que eu estou em uma posição antagônica. Sempre tive uma preocupação social com o meu trabalho, muito mais do que o desejo de obter sucesso. O sucesso profissional seria necessário para satisfazer a preocupação social. Por outro lado, sempre existiu a vontade de criar um espaço de trabalho que não havia. Quando eu era garoto ainda, no Colégio Melo e Souza, tinha um colega de turma chamado Eduardo Gaspariam. Ele me disse, anos depois, aqui em Brasília, que na adolescência eu tinha dito que ia fazer uma instituição. Sempre pensei em construir um espaço para realizar um objetivo. Acho que essas coisas que o Leandro acompanhou, a convivência ao longo dos anos, é que fizeram ele usar esta expressão. O resto é bondade dele. Acho que tem mais gente importante e fazendo coisas de valor no país.

O fato do senhor ser definido como “diferente” tem a ver com a sua formação familiar: metade comunista, metade militar? (hipertexto com foto 2)
Sim, mas não maniqueísta. É preciso dizer, e eu digo isso no livro, que o Sarah foi construído durante o regime militar. O projeto militar foi aprovado pelo Geisel (Ernesto Geisel, ex-presidente brasileiro entre 1974 a 1979) e consolidado no regime civil. A criação dessa instituição transcendeu aos acontecimentos políticos que marcaram a época, onde ela foi planejada e implantada. Qualquer governo quer ser bem-sucedido. Quer construir alguma coisa e passar para a história. Se você tem um bom projeto, tem um conceito, se você é definido como um sujeito que briga pelas suas ideias, há a possibilidade de ser bem-sucedido. Não há mágica nenhuma nisso.

O governo militar, então, ajudou na implantação do Sarah?
Nessa época, eu fui recolhido mais de uma vez para dar explicações (risos). Você tinha vários planos. Um era o vil, da opressão. Como relato no livro, há a história daquela entrevista com o coronel, quando fui retirar os dois residentes do PGP (ele também foi detido). Basicamente tudo resumido no AI-5. E outro, localizo no governo Geisel, com um projeto de país e não de poder. Coincidiu que o projeto do Sarah foi apresentado a uma pessoa extremamente lúcida, o Reis Velloso (João Paulo), que tinha criado a Seplan (atual Ministério do Planejamento), um centro de planejamento muito avançado. De lá saiu a idéia de criação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), as transformações da Petrobrás e a criação do Sarah, entre outras coisas. Era um centro que reunia pensadores, economistas, engenheiros, educadores, pessoas responsáveis pela elaboração de projetos que mudaram a face do país. Acho que o melhor exemplo foi a criação da Embrapa: o país jamais seria uma potência agrícola hoje se não existisse essa instituição e a pesquisa desenvolvida nela. Esses exemplos nada têm a ver com ditadura ou democracia: tem a ver com competência.

Os 27 anos de democracia ajudaram na consolidação do Sarah? Ou prejudicaram?   
As duas coisas. Houve momentos de incompreensões, em que as negociações eram mais difíceis. Até porque o Sarah tem uma proposta socialista. O curioso é que ela foi aceita desde o início durante um governo militar e foi frequentemente combatida no período da redemocratização. Basicamente por uma luta de poder.

O que Sarah representava para contrariar interesses tão importantes?
Um hospital (e agora uma rede de hospital) desse porte, que atende gregos e troianos, do cidadão mais pobre ao com maior renda per capita do país. Todos são atendidos igualmente, de graça. Quando você atende uma pessoa com uma grande poder econômico, e atende bem, a instituição contraria interesses econômicos. A indústria médica e os planos de saúde, que deturparam a assistência médica, não só no Brasil mas no mundo todo, não gosta deste tipo de atendimento. Você está sempre sob pressão desses setores que veem na medicina uma fonte de lucro.

No livro, o senhor fala em “trambiclínicas” e “trambifaculdades”. Nós estamos vivendo em um período de “trambimedicina”?
Estamos em um período de exacerbação, em que há uma proliferação de faculdades de medicina, que jogam no mercado profissionais desqualificados; sem programas de pós-graduação bem estruturados e com o único objetivo de lucrar. Ocorre uma confusão deliberada entre setor produtivo e setor de serviços. Ao praticar medicina, não estou fabricando automóveis; estou tratando de seres humanos. Então, eu não posso usar na prática médica a lógica do setor produtivo: se eu opero mais, ganho mais. A grande distorção que ocorre na medicina, não só aqui mas também nos Estados Unidos e agora na Inglaterra, é a confusão entre o setor produtivo e o de serviço: você ganha pela quantidade, não pela qualidade ou pelo envolvimento. Isso é o que eu chamo de “trambimedicina”. O país militarmente mais poderoso do mundo, os Estados Unidos, não conseguiu resolver o problema. Os projetos de mudança na área de saúde, primeiro com o (Jimmy) Carter, depois com o (Bill) Clinton e agora com o (Barack) Obama foram engavetados porque contrariam os interesses das grandes corporações: da indústria farmacêutica e da de equipamentos médicos. O que ocorreu foi uma industrialização da assistência médica. Se você participa de um congresso médico, você vê uma exposição de aparelhos e de remédios maior do que a apresentação e a discussão de temas científicos. O Brasil está seguindo o mesmo caminho. O nosso país está muito vulnerável, pois temos o problema da colonização cultural, Qual a aspiração de uma pessoa que ascendeu socialmente? É entrar em um avião e passear em Miami. Só que ele não sabe que Miami não faz parte dos Estados Unidos. Nenhum americano, de bom neurônio, considera Miami como Estados Unidos (risos).

Como é o relacionamento com o governo do PT?
Eles cumprem o contrato de gestão com o Sarah. Os governo Lula e,agora, o da Dilma são caracterizados por períodos de mais tranquilidade no cumprimento do contrato e crescimento da rede.

Por que o governo brasileiro não o adota o modelo do Sarah na gestão de grandes hospitais, como o Hospital de Base?
Você teria que mandar para casa a minha geração. Você só constrói, muda, se convencer os jovens. E você só convence os jovens se praticar o discurso que você faz. Como afirmo no livro, um professor faria todo um discurso sobre dedicação exclusiva e às 5 horas da tarde pede licença para ir para o consultório particular. A transformação da assistência médica depende de uma conciliação do discurso com a prática. Não é complicado, mas demanda coragem. Uma luta política que vai conflitar com grandes corporações, com interesses pessoais bastante arraigados. O objetivo da rede Sarah hoje não é o de resolver o problema de assistência médica no país. Jamais foi! É o de criar um modelo que seja contraditório, para que a população entenda que pode existir um modelo diferente do que está por aí. Um pensador disse certa vez que o Sarah é um belo modelo de contradição. É preciso dizer que Brasília começou com um modelo de assistência médica semelhante ao Sarah. Ele foi deturpado pelo tempo.

Esta deturpação ocorreu em que momento?
O plano médico-hospitalar elaborado por Henrique Bandeira de Mello era semelhante ao que se faz hoje no Sarah. A deturpação não dependeu de nenhum governo. Ela foi de dentro para fora, decorrente de ambições pessoais. O sujeito que inaugurou a primeira clínica de saúde particular de Brasília trouxe o Christian Barnard para por a mão em um carimbo de tinta e em seguida fazer a cópia em uma parede. Ele era um símbolo de competência. Barnard tinha acabado de fazer o primeiro transplante de coração do mundo (1967). Esta tendência pela iniciativa privada foi aumentando e hoje domina.

 (Iano Andrade/CB/D.A.Press)
Então o sistema público será engolido pelo privado?
Não é o que prevê a Constituição. Fui assessor da comissão de Saúde da Constituinte (entre 1986 a 1988) e criei a frase “Medicina é um dever do Estado e um direito do cidadão”. Só que nos capítulos seguintes determinam que quando o estado não puder prover, ele contrata a iniciativa privada. O que ocorre: o médico trabalha para o Estado e para a iniciativa privada. O médico e todo mundo. Aí implode o hospital público para transferir para o hospital privado, para obter lucros. Isso é o que está acontecendo. Essa decadência do serviço público no Brasil, que agora está sendo transferindo para a educação, decorre dessa coisa esquizofrênica. Quem paga essa conta somos nós, com o Imposto de Renda. O mesmo recurso que financia a Rede Sarah, vem da mesma fonte que financia o serviço privado no país. Na Constituinte, nós propomos o seguinte: você quer fazer medicina privada, ótimo; corra o risco do capital; o governo não pode bancar isso. No entanto, essa tese foi deturpada na elaboração da Lei Orgânica da Saúde.

No seu livro, o senhor fala de uma pessoa, o Tio Jack, o empresário que investiu na qualificação da mão de obra de uma empresa que dirigia no Rio de Janeiro. A postura dele o influenciou na filosofia de gestão do Sarah?
Com o tio Jack, aprendi a valorização do trabalho. Um empresário de sucesso. Ele sempre valorizou as pessoas, no caso os operários que trabalhavam na indústria que ele dirigia. Quando ocorreu a greve geral dos metalúrgicos no Rio de Janeiro, durante o segundo governo de Getúlio Vargas na década de 1950, as fábricas dele não participaram da paralisação. Elas já tinham refeitório, assistência médica. Ele tinha se antecipado e atendido a todas as reivindicações. Ele me ensinou muita coisa.

O senhor também critica o isolamento de pessoas doentes em UTIs. Para o senhor, com mais de 50 anos de prática médica, como deve ser o tratamento de um paciente grave?
Eu venho de uma época em que as famílias, incluindo as crianças, estavam ao lado das pessoas queridas antes delas morrerem. Isso aconteceu no falecimento da minha avó e do meu avô, como conto no livro. Eu acho, no mínimo, cruel isolar uma pessoa dos seus entes queridos quando ela vai morrer.

Como deve ser o tratamento de uma pessoa em estágio terminal?
No Sarah, não temos UTI. Todos os equipamentos de cuidados intensivos podem ser levados de um lado para outro. Temos uma unidade que chamamos de primeiro estágio, onde há uma concentração maior de pessoas, que sabem lidar com esses aparelhos, mas a família entra. Não entram multidões, mas poucas pessoas, tomando cuidados contra infecções hospitalares. O importante é que a família esteja junto.

Essa experiência pode ser adotada por outros hospitais?
Tudo é possível. Basta querer. O problema não é de possibilidade, mas de vontade.

A foto da contracapa significa que sempre há esperança?
Essa é uma foto que simboliza o amor (hipertexto com foto 3). Eu estava passando pelo jardim do Sarah Lago Norte quando vi a cena. Eu estava sem a máquina. Saí correndo para pegar a minha Nikon, torcendo para que eles continuassem abraçados até eu voltar. Voltei e fiz a foto. Ela simboliza a vida. O fato de eles não andarem não quer dizer que eles não se amem. A foto simboliza a relação humana.

Quais foram pessoas importantes na criação do Sarah?
João Paulo de Reis Velloso. Foi uma pessoa que fez um trabalho muito importante no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica aplicada) e na Seplan na década de 1970. Sem ele, dificilmente o projeto seria aprovado. Na elaboração do projeto, Eduardo Kertesz, que já morreu de câncer de pâncreas. Na transformação do Sarah como embrião de um projeto que veio a se tornar nacional, o ex-presidente José Sarney. Depois, alianças com pessoas como Lucio Costa, Pompeu de Souza, Darcy Ribeiro (hipertexto com foto 4); jornalistas, como Luiz Gutemberg e Evandro de Carlos Andrade, da Rede Globo, uma figura fundamental. Muitas pessoas de ontem e de hoje, várias delas que fazem parte do conselho. A ideia de criar o conselho, para respaldar os princípios e o cotidiano do Sarah, foi do Magalhães Pinto (José de Magalhães Pinto, político mineiro e criador do Banco Nacional). Quando eu lutei para que o Congresso aprovasse a lei que dei origem a rede Sarah (no início dos anos 1990), várias pessoas ajudaram nessa missão. Até então, o Sarah era uma fundação, vinculada ao Ministério da Saúde. Com a lei (aprovada em 1991), passou a ser uma associação (das Pioneiras Sociais) com contrato de gestão com o Ministério da Saúde. Portanto, uma instituição pública, não estatal. É difícil mencionar nomes sem fazer injustiça. São tantas pessoas….

A Rede Sarah precisa ser ampliada?
Não! Não. Você não faz assistência médica com tijolo, com estrutura metálica. Você faz com gente. E hoje no Brasil gente com G é muito difícil, devido ao grande número de faculdades de medicina que preparam pessoas sem qualificação e não há cursos de pós-graduação. Eu te dou um exemplo: Em 1917, a situação nos Estados Unidos era semelhante a que vivemos hoje aqui. O governo americano pediu um relatório, denominado Flexner. Era uma época em que médicos puxavam carochinha, vendendo xaropes de longa vida. Flexner fez o levantamento e propôs o fechamento da maioria das faculdades de medicina. A medida foi adotada em 1921/22 e implantou-se a residência médica. Além disso, o médico para praticar a profissão tinha de fazer uma pós-graduação em um serviço médico. A medicina americana deu um grande salto. Agora, está em crise devido a problemas econômicos, às grandes corporações e aos planos de saúde.    

 (Iano Andrade/CB/D.A.Press)
O governo brasileiro deve tomar a mesma atitude agora para melhorar a qualidade do ensino médico?
A qualidade do ensino médico começa pela qualidade da educação fundamental. Esse negócio de ficar abrindo faculdades, achando que vai melhorar a qualidade e o acesso é besteira. O Brasil tem que investir pesado na educação fundamental, para criar novas gerações qualificadas, que vão abrir os seus caminhos e ingressar no ensino superior – ser médico, engenheiro, advogado, fotógrafo… Esse problema não se resolve em um governo; resolve-se em três décadas, no mínimo, se começar hoje. Tem que se aplicar todos os recursos para educação no ensino fundamental. Todos. Manter as universidades federais. E as universidades particulares que se virem; elas cobram. Não podem receber subsídios do estado, como bolsa-educação. Um absurdo!

A medicina evoluiu, temos equipamentos modernos para tratar doenças. O homem também evoluiu, aprendeu a se cuidar?
Não! A evolução tecnológica não implica necessariamente em uma evolução do padrão de assistência. Ela pode implicar em um prolongamento de vida em situações que antes não tinham solução. Eu te dou um exemplo: Charles Darwin, que mudou o mundo com a Teoria da Evolução, tinha doença de Chagas. Ele a contraiu provavelmente nas viagens que fez pela América do Sul. Ninguém sabia o que era essa doença, que só foi descrita no final do século 19, início do 20. Hoje você sabe, o diagnóstico feito, a pessoa tratada e a vida mantida. Outro ponto importante: avanço tecnológico não significa necessariamente melhor qualidade de serviço. Meu avô quando usava o estetoscópio (no início do século 20) sabia a lógica da transmissão da onda sonora. Portanto, entendia o princípio que regia o funcionamento do estetoscópio quando ouvia as batidas do coração. Se você perguntar hoje para 10 radiologistas quais são as fórmulas de física que regulam ou determinam o funcionamento de uma ressonância magnética, a maioria não sabe. E há uma contradição: o equipamento gera uma imagem a partir de uma informação digital, mas ela é analisada quando é convertida analogicamente. Você possui uma tremenda tecnologia, uma evolução fantástica e a leitura dela é semelhante a leitura de um raios-X. Há contradições do bom uso e do mau uso da tecnologia.

Qual é o ponto mais importante da criação da rede Sarah?
Desde a origem do projeto a missão principal é formar gente. Centenas e centenas de profissionais se formaram na rede Sarah. Muitas ficaram, muitas saíram. O sucesso da instituição se deve a um projeto constante, cotidiano e coerente de formação. E é uma formação que não implica somente no conhecimento da técnica; implica também em opções ideológicas. Não é fácil atrair um jovem para dedicar a sua vida a uma causa. O Sarah é uma causa. A pessoa larga tudo para ficar em tempo integral, com dedicação exclusiva. É bem paga, pois vivemos em uma sociedade de consumo. Precisa se dedicar e nem todas as pessoas querem correr o risco de cortar as amarras. Muitas veem, trabalham, se qualificam e vão para os que eles chamam “a selva”. Alguns voltam da “selva” em outras seleções, porque aqui só é admitido com concurso público, bastante rigoroso.

A procura é grande por esses cargos?
Sim. Porém, um retrato do que ocorrendo na formação universitária brasileira ficou claro em um dos últimos concursos. As vagas eram para profissionais de nível superior, de uma área específica. Na primeira fase, apresentaram-se 1,5 mil candidatos. Oito foram aprovados. Desses oito, ficaram apenas seis na última etapa da seleção, que é o treinamento em serviço.

O senhor ainda atende pacientes?
Claro, senão o hospital fecha. Você não pode fazer um discurso sem praticá-lo. A minha atividade hoje está mais relacionada ao ensino. Eu tenho um ambulatório em que os profissionais separam casos para eu discutir. Como todo o sistema de acompanhamento de pacientes está interligado, posso acompanhar casos também em outros estados, averiguar problemas, detectar pontos de gargalos e resolvê-los.

O Sarah também revolucionou o serviço de fisioterapia, com o atendimento personalizado de pacientes?
Sim. Sempre foi assim. Eu trouxe esses métodos da minha experiência quando fiz cursos de formação na Inglaterra e depois nos Estados Unidos. Desse aprendizado trouxe a relação de um paciente para um fisioterapeuta. (hipertexto com foto 5) E também a relação coletiva, quando você tem que discutir problemas comuns com famílias em que adultos e crianças têm o mesmo problema. Outro ponto é contextualizar uma explicação para o paciente. É preciso falar várias línguas em uma língua só. É preciso explicar para uma pessoa humilde, com pouca instrução, o que deve ser feito em uma linguagem que ela compreenda, usando exemplos que ela possa entender. Tudo baseado em um paradigma que está afixado na parede do hospital: “Você não simplifica aquilo que você não conhece”.
    
Como o senhor vislumbra a reabilitação física no futuro?
A contradição entre reabilitação e medicina está escrita nas paredes do hospital Sarah. A medicina convencional parte do não e a reabilitação do sim. O paciente não tem uma boa pressão (arterial), não estou ouvindo o coração, não está urinando, não isso, não aquilo. E a reabilitação se baseia, e vai cada vez mais se basear, no potencial que restou da pessoa. O progresso da reabilitação vai por esse caminho, até por uma questão de imposição da própria sociedade. Um exemplo típico é o combate às barreiras arquitetônicas em uma cidade. Também há a inclusão social, um tema que se fala muito e se faz pouco por ele. A verdade é que todos nós somos incapazes. Quando você está mais incapacitado, você fica mais vulnerável. Nas décadas de 1970 e 80 começaram a surgir os grupos de pressão que lutam pela inclusão social, pelo fim das barreiras arquitetônicas. Começou na Escandinávia (Suécia e Noruega), eu estive lá nesse período e hoje é um tema muito debatido. A tendência é que esses grupos de pressão aumentem. Com isso, o conceito da reabilitação será mais forte nas próximas décadas.

Há compreensão médica sobre a importância desses temas?
É um tema muito novo, que a medicina convencional não compreende. Porque a medicina é, como muitas coisas na vida, um exercício de poder: o poder que o médico tem sobre um determinado doente é uma coisa inimaginável. A grande questão ética ou moral consiste no seguinte ponto: que esse poder seja usado em benefício do paciente e não em benefício próprio, para aferição de lucro. Essa é a questão central da assistência médica. Não quero dizer que vá se formar um bando de sacerdotes desvairados. A sociedade tem que compreender que o médico precisa ser remunerado condignamente e o médico tem que compreender que não sabe tudo e precisa se dedicar mais à pesquisa e ao estudo. O que sabemos? A estrutura do DNA. E aí? E o que está além? Há um mundo para ser descoberto, que vai beneficiar as pessoas. Você não vê a aplicação direta dos grandes avanços científicos na área da bioquímica molecular e da nanotecnologia com a prática médica. Há um descompasso entre os pesquisadores e os avanços que eles proporcionam com a prática. O interesse é ganhar dinheiro. 

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/

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